terça-feira, 15 de maio de 2012

Epitáfio*


Crônica publicada na edição 1120 do Jornal Observador

“Era domingo. Ele apareceu cedo, disse que precisávamos conversar. Mesmo um pouco apreensiva, deixe-o entrar. Ele nunca tinha sido excessivamente violento, exceto em discussões mais acaloradas. Acho que só levei dois ou três tapas durante nosso relacionamento.

Ignorei a orientação do juiz. O que ele poderia fazer? O filho estava dormindo, ele não seria louco de tentar algo. Sentou-se no sofá, calmo como nunca, não implorava o meu perdão e nem tentou me beijar à força. Fiquei um pouco esperançosa, ele parecia conformado. Seria o fim das perseguições e das ligações fora de hora?

Argumentou que estava preocupado: a professora lhe havia dito que o filho parecia confuso sem o pai por perto. Discordei: o menino estava superando o trauma da separação de acordo com a psicóloga. Além disso, ele poderia vê-lo sempre, não seria uma criança sem pai.

Ele retomou o mesmo argumento. Discordei de novo. Eu era a mãe, eu conhecia o atual estado do meu filho, ele não sabia o que estava falando. Olhava profundamente em meus olhos enquanto eu falava (talvez estivesse se despedindo). Calou-se, derrotado em sua proposta de arranjar justificativa para me procurar. Joguei isso na cara dele, eu estava cansada: sempre uma desculpinha para se aproximar.

E parecia resignado quando me atacou subitamente. Foi tudo muito rápido: rolamos no carpete. Ele batia minha cabeça contra o chão enquanto me chamava de vagabunda.

Percebi que, se pudesse, ele teria me batido mais. Queria me subjugar, mostrar que era o dono da situação. Mas, por medo de acordar o filho, ele cumpriu logo seu propósito. Três tiros à queima roupa. Em juízo, alegou crime passional, subterfúgio conveniente para os assassinos.

O covarde fugiu quando ouviu o menino gritar no corredor. Covarde, deixou que o meu filho me visse naquela situação: morta, estirada no carpete da sala.”

*Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil vítima de violência doméstica segundo o Mapa da Violência de 2010. Fonte: IG.


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