segunda-feira, 12 de março de 2012

Viola*

*Crônica publicada na edição 1107 do Jornal Observador

Chegou e se acomodou no meu peito. Mas não foi assim do dia pra noite não. Foi se aproximando bem devagar, sorrateiramente, como quem não quer nada.

Rodeou, hesitou, afastou-se. Aproximou-se de novo e sumiu do mapa. Ficou uma temporada assim, sabe-se lá onde.

Deu as caras de novo tempos depois, quando eu já morava em Bauru. Ironicamente, foi na cidade grande (?) que ela bateu forte, como se quisesse suprir aquela saudade da terra natal, a vontade de pescar ou participar de uma rodada de boia no velho Pardo.

Lá, em plena vida urbana, a viola revelou o sertão que vive dentro de mim. Compreendi definitivamente o que Guimarães Rosa já havia sussurrado no meu ouvido: sou do interior, mas também sou cidadão do mundo.

Engana-se o leitor ao achar que ela veio simplória e desafinada. Apresentou-se assim à primeira vista, porém trouxe elementos que eu desconhecia.

Provou que não era um instrumento defasado como crê o senso comum. Provou que tinha “leitura”, sensibilidade e mais familiaridade com Bach e Beatles que muito pretenso conhecedor de música. Limitação, portanto, é propriedade do tocador, não do instrumento.

Viola é uma entidade, tem vida própria. Fascina roqueiros, bluseiros e jazzistas. A guitarra é um instrumento de força, porém sua imagem está colada à figura do músico (a cena em que Hendrix ateia fogo à sua Fender, por exemplo, é bem ilustrativa). Já a viola é autossuficiente. Quem é o violeiro? Não importa.

Tem uma incrível e singular capacidade de fascinar o caipira e o diplomata, o médico e o pedreiro. Chega a tocar o coração de quem, inclusive, é indiferente à música. Quando ela toca o mundo pára – mesmo que por apenas um segundo; seu ponteio fisga a alma.

Mesmo com essa capacidade, a viola sempre foi modesta e sua presença nunca tentou reprimir meu amor primeiro, a guitarra. Prova cabal de que é segura de si e não vê o diferente como ameaça e sim como algo que pode acrescentar mais sabor e cor à existência.

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