segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Considerações de um deportado*

* Crônica publicada na edição 1042 do Jornal Observador

Preparar uma viagem internacional é algo que demanda tempo, disposição e muito planejamento. Acontece que, por conta da euforia natural antes do embarque, muitas vezes esquecemos de acrescentar à mala um item imprescindível: a capacidade de burlar os imprevistos. Sem ela, a viagem dos sonhos poderá se transformar – literalmente – num pesadelo.

Que fique o alerta porque este que vos fala – além de azarado de plantão – já sabe há tempos que trabalhar com as piores probabilidades é sempre um bom negócio.

Foi dentro dessa perspectiva que preparei minha primeira viagem internacional. O propósito era passar uma temporada em Londres, passagem obrigatória de bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath e Iron Maiden. Lá eu poderia, com um pouco de sorte, trombar o Clapton fazendo sua tradicional caminhada nos arredores da capital inglesa ou talvez surpreender Jimmy Page tocando uma variação de Dazed and Confused em um pub qualquer.

Mas eis que no meio do caminho tinha uma pedra chamada UK Border, a temida autarquia inglesa especializada em torrar o saco e tirar-lhe o resto de paciência que sobrara depois de um voo de 12 horas na classe econômica. Composta por senhores bonachões e senhoritas centenárias, a UK Border é, na verdade, uma sucursal do inferno estabelecida na Terra.

Com toda a discrição característica dos ingleses, o oficial da imigração vai educadamente solicitar seu passaporte e perguntar quanto tempo você pretende ficar em Londres. Mas não se iluda, trata-se apenas da senha para tornar sua viagem inesquecível, principalmente se não forem com a sua cara ou acharem que o seu corte de cabelo já expirou nos anos 70.

Há uma única coisa boa na sala de espera do serviço de imigração: a máquina que serve todo tipo de café e água. E tudo de graça. Além disso, a cada 15 minutos um funcionário te oferece sanduíches e outras guloseimas. Mas, com o passar do tempo, você perceberá que não se trata apenas de mais uma demonstração da hospitalidade britânica. O verdadeiro intuito é te ajudar a matar não só a fome, mas principalmente o tempo já que você vai ficar por ali no mínimo umas 6 horas.

Depois de te submeterem a uma bateria de perguntas sem o menor nexo, você será solenemente informado que sua entrada no país não foi aceita, apesar de você portar toda a documentação necessária e ter libra suficiente para uma estadia três vezes maior que a pretendida. (Não adianta bancar o espertinho: caso tenha dinheiro de sobra, eles vão achar que você terá a brilhante ideia de “esticar” o passeio). Como se vê, o critério da imigração é não ter critério.

Por último, você será conduzido ao primeiro avião com destino ao seu país de origem por um simpático funcionário que vai te perguntar – ao pé do ouvido e sorrateiramente – se toda mulher brasileira anda de fato seminua pelas ruas.

Trabalhar com as piores probabilidades, como eu já disse, além de evitar a frustração garante sempre a existência de um plano B. Londres never more. América Latina, here I go.