sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Manchetes que gostaria de ter lido

Após deixar o caixão, Michael Jackson faz o Moonwalk sobre a própria lápide

Lula promove a maior reforma agrária do planeta

Cristovam Buarque aparece em 1º lugar nas pesquisas

Sarney comete harakiri após discurso de renúncia

STF derruba obrigatoriedade do diploma de advogado

Gilmar Mendes tem o registro profissional cassado

Demi Moore diz que sai com anônimos frequentemente

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Histórias (Verdadeiras) de Pescador

Antes de sair, Dito dá uma última conferida na tralha. Checa se o compartimento de anzóis e a caixa de minhocas foram devidamente depositados no fundo do samburá. Os itens mais leves, como os carretéis variados e o covo, são colocados por último.

Apenas um elemento diferencia minha tralha da do Dito: a marmita. Equipada com suã de porco, pimenta e tendo como base virado de feijão e arroz, ela é uma companheira inseparável em toda pescaria. O Dito é mais prático: carrega consigo fatias de queijo gorgonzola mal embrulhadas em papel toalha.

Os apetrechos, espalhados pela calçada, são colocados rapidamente dentro do Fusca. Antigamente as varas de bambu eram transportadas no quebra vento. Hoje, porém, tal procedimento se tornou obsoleto graças à invenção da vara telescópica. Isolado num saco de estopa, um litro tenta passar despercebido diante do olhar de curiosos que rodeiam o local.

Pescaria noturna é uma corrida contra o tempo. O pescador deve estar acomodado na beira do rio cerca de duas horas antes do pôr do sol. O objetivo é analisar a área no intuito de identificar possíveis empecilhos naturais (espinhos, abelhas e animais peçonhentos), fixar a angulação da vara em relação ao poço e distribuir o material de pesca que vai necessitar durante a escuridão.

Mas desta vez, porém, chegamos ao Salto um pouco tarde por culpa de um erro na rota. Local de difícil acesso, descida íngreme. Entre o barranco e o rio apenas um banco de pedra de aproximadamente um metro. Veredicto: teríamos que pescar em pé, espremidos entre o paredão e a corredeira.

Pescaria noturna é ainda uma experiência que ativa os sentidos, menos a visão. O tato, por exemplo, é necessário para encontrar a lata de isca no escuro. Mesmo portando farolete, é prudente utilizá-lo apenas em caso de necessidade: diz a lenda que o facho de luz espanta o peixe. Quando um anzol é perdido em algum enrosco, o encordoamento geralmente é refeito utilizando apenas o sentido.

A audição desempenha outro papel relevante. Com ela é possível constatar se realmente o anzol foi lançado na água mesmo no breu total, evitando que o pescador fique por horas a fio sem perceber que sua isca descansa sossegadamente em algum galho próximo da superfície. Outra propriedade é detectar a aproximação de animais indesejados entre as folhas secas. Função não menos importante tem o paladar, incumbido de degustar bebida alcoólica e comida.

O problema é que no Salto o sentido da audição é anulado por causa do barulho provocado pela queda d’água. Restando apenas o tato, é preciso checar se há movimento na linha a cada lançamento.

Entre um gole e outro e alguns beliscões, a escuridão cai e engole tudo ao redor. A perseverança faz com que fiquemos firmes ali mesmo diante dos sinais desfavoráveis. Hora boa pra pescar é na boca da noite, depois disso só na madrugada.

Com a pescaria perdida, os apetrechos são colocados novamente dentro do samburá, mas não com a mesma organização inicial. O farolete é acionado para demarcar o longo caminho de volta morro acima.

O Dito me oferece mais um pedaço de queijo, como quem quer terminar de vez com aquilo.
- Vai jogar o resto deles na água? pergunto.
- Não, esses peixes aí não merecem, conclui enquanto olha para o rio e mastiga o último pedaço com ar de provocação.