segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O Ganhador da Loteria*

* Crônica publicada na edição 1039 do Jornal Observador

A pequena cidadezinha do interior acordou mais cedo naquele domingo com a notícia de que o novo ganhador da loteria pertencia àquele chão.

Na padaria, nas esquinas e nos botecos não se falava em outra coisa e cada morador especulava – cada qual com uma metodologia própria – sobre quem seria o novo milionário.
- Fulano comprou um carro novo, deve ser ele o ganhador – dizia um.
- O senhor está enganado, compadre. O carro foi comprado na semana passada e o sorteio só foi realizado ontem – corrigia o outro antes de voltar o raminho de baquiara ao canto da boca.

Outro morador trazia indícios de que sicrano havia sumido da cidade após ter colocado a casa ou o sítio à venda. Mais tarde a versão caia por terra ou ganhava novos desdobramentos na boca do povo.

Apesar das divergências todos concordavam em um aspecto: logo mais o felizardo se apresentaria publicamente, afinal todos se conheciam naquela pequenina e aconchegante cidade.

Mas aos poucos a coisa foi tomando outro rumo. Já beirava às 11 horas da manhã e o ganhador da loteria ainda não havia aparecido. A curiosidade começava dar lugar à hostilidade provinciana.

Era meio-dia quando o prefeito da cidade decidiu fazer um pronunciamento condenando a omissão daquele milionário local que insistia em não dar as caras.
- Onde está o espírito comunitário desse cidadão? Ele está desrespeitando a unidade da nossa população – discursou o alcaide do coreto da praça. Tomados por uma profunda indignação, os moradores aplaudiram efusivamente o prefeito.

Ao final do ato, a população decidiu que seria formado um comando para caçar o rico silencioso. A busca partiria de uma pista que apontava um senhor aposentado morador da área rural como sendo o ganhador recluso.

Munidos de tochas, os inquiridores aproximaram-se da casa suspeita ao anoitecer. Horrorizado com a cena incomum que se apresentava através da janela, o velho fugiu pelos fundos e refugiou-se na roça de milho.
- O povo estava certo: a voz do povo é a voz de Deus – gritou o líder do grupo, ordenando que capturassem o fugitivo. Os capachos correram cumprir a missão.

Enquanto isso alguém em algum lugar distante dali descobria-se como o mais novo milionário ao conferir o resultado da loteria sorteada na noite anterior.