sábado, 24 de outubro de 2009

Praça

Por volta da meia noite o grupo começa a se reunir espontaneamente em torno de um dos bancos. A aglomeração só tem início depois do expediente: um já levou a namorada embora e o outro já acompanhou a série preferida na televisão. Este último perdeu o sono e resolveu sair para dar uma volta.

A fina neblina indica que a madrugada será um pouco inóspita. Para combater a friagem, serão consumidas algumas garrafas de vinho barato obtidas por meio de uma vaquinha que ainda corre a roda. Dois ou três saem então em busca da encomenda enquanto os demais cuidam de tocar violão ou jogar conversa fora.

Alguém, sabe lá por qual motivo, puxa o assunto matemática, talvez influenciado pela chegada do Robson que acabara de saltar do ônibus dos estudantes. Rapidamente o assunto ganha a adesão de parte do grupo e culminamos na cena em que o estudante agachado – pedra como giz e o chão da praça como lousa – expõe aos interessados a resolução de um problema envolvendo trigonometria.

Paralelamente, o núcleo do violão improvisa um blues. O fato de ser instrumental chateia um pouco quem espera a execução de alguma coisa mais cantarolável. Já pediram o Menino da Porteira três vezes, finalmente tocada depois que o Willian executa um trecho intrincado de Eruption, do Van Halen. Eu tentei emplacar Casa no Campo, mas a galera não conhecia.

O Jonas Caixa D’água aparece com uma coletânea de textos do Ferreira Gullar. Deixo temporariamente o núcleo da música para fuçar no livro.
- Já leu?, pergunto.
- Não, peguei na escola hoje.
Mas vai ler. Caminho até encontrar Poema Sujo e gasto algum tempo ali.

O vinho finalmente chega e é distribuído em copos de plástico mesmo para os espertinhos que fugiram na hora da vaquinha. Se a bebida é suficiente para afetar consciências, tem início o momento Boate Azul que não raramente é o mais longo e aglutina transeuntes, bêbados e vagabundos que passam por ali.

Mas também há espaço para canções próprias. A Blues dos Fofoqueiros, que critica a hipocrisia da sociedade oleense, foi composta por volta de 2005 e ganhou a simpatia dos frequentadores da praça. A mais recente se chama É Ozzy, homenagem ao Alex. Surgiu quando tocávamos Iron Man, do Black Sabbath, num determinado banco enquanto o citado azarava uma garota paulistana num acento ao lado. Ao ouvir os acordes nervosos da introdução, Alex interrompeu o xaveco e gritou com voz gutural:
- É Ozzy!?

Além de mandar por água abaixo suas expectativas de impressionar a guria com seu vasto conhecimento musical, a passagem gerou os seguintes versos iniciais:

Eu ouvi o Black Sabbath e pensei que era o Ozzy
Eu ouvi o Sepultura, achei que era a Ivete
Eu ouvi o Caetano, pensei em Los Hermanos
Eu ouvi o Iron Maiden, pensei na Madonna
Eu ouvi os Rolling Stones e pensei que era o Bruno e Marrone

Embora ambas sejam composições coletivas, é sempre o Willian que traz a ideia inicial.

A madrugada adentra. A viatura passa lentamente pela rua na tentativa de identificar os indivíduos. Feito isto, segue sua rota normalmente. Sabe que o único problema a ser registrado ali é o eventual incômodo à vizinhança causado pela cantoria alta. Mas só quando algum morador aciona a PM, e isso ocorre com certa frequência, somos amistosamente lembrados a baixar o tom. Nem é preciso dispersar.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Domingo

A rede está esticada entre a mangueira e o jambeiro onde faz uma sombra refrescante. Dali vejo quase todo o pomar e ouço a algazarra dos pássaros nas árvores maiores. Galinhas ciscam debaixo das frutíferas. A poucos metros, uma cerca separa as novilhas que pastam despreocupadas. Outra galinha procura comida no cocho do gado.

Da cidade vem o ruído alto dos hits que provavelmente irão bombar no próximo verão. Enquanto as meninas desfilam com shorts curtíssimos, os meninos pagam de gatão encostados no carro com o porta-malas arreganhado.

O tempo vivido na cidade grande (?) fez com que eu olhasse o campo com mais apuro. Ali ainda reside muito do simples da vida. Boto reparo agora nos pés de caju que plantei há uns cinco anos durante as férias da faculdade. São dois. Um se mostra frondoso e já deve dar frutos. O outro não teve o mesmo desenvolvimento: cresceu à sombra da mangueira e por isso ficou franzino e raquítico.

Ao lado da rede, um toco de madeira ao alcance da mão serve de apoio para acomodar um livro ou outro objeto. Penso logo num copo de vinho vagabundo gelado. Só penso, afinal tenho bebido muito pouco ultimamente. O último porre – ocorrido numa pescaria noturna há quase um mês – foi extremamente desagradável.

Aproveito a saída do meu irmão para afanar o notebook dele e escrever esse texto deitado entre árvores. O silêncio me faz bem. Penso na vida. A proximidade dos 30 e a efemeridade da existência têm me levado a diversas reflexões e interiorizações. Serei um mero espectador da vida? Tenho empregado energia em coisas vãs? Trocar o certo pelo duvidoso? Arriscar ou permanecer no marasmo? Qual é a prioridade? E o futuro? Será que chegarei aos 60 (se é que vou chegar até lá) com a sensação que a vida passou e eu nem vivi?

Ou tudo isso não passa de uma crise existencial pós-adolescente? Essa porra desse computador está esquentando a região da minha genitália. Melhor tirá-lo do colo. Sei lá, a radiação pode dar um câncer ou coisa assim.