*Crônica publicada na edição 1027 do Jornal Observador
Indignado, um estudante pede a palavra.
- Com todo o respeito que tenho pelos mais velhos, quem delegou ao senhor o direito de criticar gratuitamente a Igreja e a religião? O senhor não tem outra atividade mais produtiva para desenvolver a não ser viajar pelo mundo criticando aquilo que não lhe diz respeito?
Parte da plateia demonstra pronta indignação diante da indelicadeza do participante. Sem exteriorizar qualquer hesitação, o senhor – José Saramago – acena com as mãos para que o público se acalme, como se sugerisse a todos que não precisaria de defesa ou complacência de quem quer que fosse.
Aplacados os ânimos, Saramago retoma o microfone ainda com mais calma do que antes.
- Mesmo que me tivessem delegado algo, uma coisa é certa: esse direito não seria originário do grupo ao qual você provavelmente pertence. Se assim fosse, eu estaria a andar pelo mundo utilizando a religião para justificar atrocidades.
O burburinho imediato na plateia indicava que o inimigo perdera a batalha. Saramago, mais uma vez, buscou anular qualquer hostilidade que pudesse ser dirigida contra o estudante e deu continuidade ao debate.
Finda a apresentação, tomou um voo e em poucas horas já estava em casa. Jantou com a esposa e, após organizar por algum tempo uma pilha de manuscritos, sentou-se à cama.
Enquanto tirava os sapatos com certa dificuldade, observara que Pilar já dormia. O Senhor então lhe observou:
- Foste reto e coerente mais uma vez, José. Tens galgado a passos largos os degraus da Sabedoria.
- Obrigado senhor, os anos de vida têm me trazido benesses ao Espírito.
E, aproximando-se, Deus confidenciou-lhe algo nos ouvidos. Saramago ficou pensativo por alguns minutos e pensou em acordar a mulher para anunciar o tema de seu próximo romance. Porém Pilar parecia imersa num sono tão profundo que ele resolveu esperar o dia seguinte. “Haverá muito tempo amanhã”, avaliou.
E adormeceu enquanto rezava mentalmente um padre-nosso.
Indignado, um estudante pede a palavra.
- Com todo o respeito que tenho pelos mais velhos, quem delegou ao senhor o direito de criticar gratuitamente a Igreja e a religião? O senhor não tem outra atividade mais produtiva para desenvolver a não ser viajar pelo mundo criticando aquilo que não lhe diz respeito?
Parte da plateia demonstra pronta indignação diante da indelicadeza do participante. Sem exteriorizar qualquer hesitação, o senhor – José Saramago – acena com as mãos para que o público se acalme, como se sugerisse a todos que não precisaria de defesa ou complacência de quem quer que fosse.
Aplacados os ânimos, Saramago retoma o microfone ainda com mais calma do que antes.
- Mesmo que me tivessem delegado algo, uma coisa é certa: esse direito não seria originário do grupo ao qual você provavelmente pertence. Se assim fosse, eu estaria a andar pelo mundo utilizando a religião para justificar atrocidades.
O burburinho imediato na plateia indicava que o inimigo perdera a batalha. Saramago, mais uma vez, buscou anular qualquer hostilidade que pudesse ser dirigida contra o estudante e deu continuidade ao debate.
Finda a apresentação, tomou um voo e em poucas horas já estava em casa. Jantou com a esposa e, após organizar por algum tempo uma pilha de manuscritos, sentou-se à cama.
Enquanto tirava os sapatos com certa dificuldade, observara que Pilar já dormia. O Senhor então lhe observou:
- Foste reto e coerente mais uma vez, José. Tens galgado a passos largos os degraus da Sabedoria.
- Obrigado senhor, os anos de vida têm me trazido benesses ao Espírito.
E, aproximando-se, Deus confidenciou-lhe algo nos ouvidos. Saramago ficou pensativo por alguns minutos e pensou em acordar a mulher para anunciar o tema de seu próximo romance. Porém Pilar parecia imersa num sono tão profundo que ele resolveu esperar o dia seguinte. “Haverá muito tempo amanhã”, avaliou.
E adormeceu enquanto rezava mentalmente um padre-nosso.