quarta-feira, 13 de abril de 2011

Odisseia II*

*Crônica publicada na edição 1066 do Jornal Observador.

São 15h30 e estamos na fila que dá acesso ao estádio debaixo de um sol impiedoso. Will faz uma análise sociológica da situação.
- É tranquilo, Peruca. Todo mundo aqui pagou caro pelo ingresso e o pessoal só quer curtir o som dos caras. Por isso não tem tumulto algum: ninguém vai se meter a besta e estragar a noite. Aqui todos torcem pelo mesmo time – avalia.

O argumento do nosso amigo mineiro me pareceu bastante convincente. Desencano.

A fila anda devagar. Enquanto isso observo as “figuras” que vão a esse tipo de evento. É obvio que não seria muito diferente disso – todos nós vestimos camisas de banda de rock – mas tem cabeludo com jaqueta de couro e coturno mesmo com a temperatura batendo a casa dos 34 graus. Mas a excentricidade fica restrita ao plano da vestimenta: nada de desordens, drogas ou qualquer tipo de violência, diferentemente do que julgam os (muitos) ignorantes e tapados desse Brasil varonil.

O policial é implacável na hora da revista pessoal. Confiscou o meu desodorante rolon novinho. O Zé Willian teve mais prejuízo: tomaram a colônia que ele trazia na bolsa. O Alex ficou sem a chave de abrir pcs. Tudo teve que ser jogado num latão, para a alegria dos catadores de plantão. Um sujeito na fila me dirige a palavra.
- Rolon agora virou arma? – questiona com ironia.
- Para um governo fascista como esse que domina nosso estado parece que sim – respondo. Ele retribui com um sorriso largo. O policial ignorou a crítica; deve ter pensado que se tratava de um elogio.

16 horas. Alex, Zé Willian, Will, Roberta, João e eu nos posicionamos a uns 10 metros da grade. Ótimo local. O problema é que não podemos dar sopa por aí e perder lugar: última saída para banheiro e aquisição de água e sanduíche para não morrer de inanição até o final da maratona.

19 horas. Boa nova: o Cavalera Conspiracy abre o show do Maiden. Bem interessante, para não dizer engraçado, ver Max e Igor Cavalera fazendo cover deles mesmos. Obviamente são as músicas do Sepultura que mais levantam a galera. Previsivelmente eles fecham com Roots Bloody Roots: a plateia vibra. O show revigora o ânimo de todos nós, já esgotados fisicamente.

Surpreendentemente, as luzes se apagam novamente às 21 horas em ponto. Não pode ser: a apresentação está prevista para ter início às 21h30. Os telões são ligados: um vídeo de introdução traz a concepção do novo álbum. São eles. Indescritível a emoção. Agradeço por estar vivo e ter a chance de presenciar aquele momento histórico.

Com a mesma pontualidade do início, o Iron Maiden deixa o palco exatamente às 23 horas. Com a alma lavada, é hora de dar adeus aos nossos amigos mineiros e pegar o metrô mais próximo. Cansaço físico e memórias recentes se alternam como assuntos predominantes em nossas conversas.

1 hora da manhã. Estamos de volta ao terminal Barra Funda mais de 24 horas depois. Acontece que o nosso ônibus só sai às 7h30 da manhã. Não temos outra escolha a não ser tirar um cochilo ali mesmo no chão do terminal, um dos lugares mais insalubres do mundo (tirando o plenário do STF). Mas, pela terceira vez, sou acordado pelo guardinha: “Moço, não pode dormir aqui”. Do outro lado um mendigo dorme em paz há mais de três horas.

Estamos de volta ao interior.
- Zé, apesar de toda a canseira e correria, valeu a pena, bicho. Faria tudo de novo – comento ao saltarmos do ônibus.
- Verdade, Peruca? Então vamos articular nossa ida ao show do Ozzy na semana quem vez? – pergunta, sério.
Finjo não ouvir o que ele diz.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Odisseia*

*Crônica publicada na Edição 1065 do Jornal Observador

Terminal Barra Funda. Sábado, 26 de março, 5h45 da manhã.
- Zé Willian: tem um negócio que você precisa conhecer – digo com empolgação ao descermos do ônibus.

Trata-se de um banheiro gratuito localizado no outro lado da rodoviária que só descobri durante minha última passagem pelo local.

- O banheiro ao lado da área de desembarque é, na verdade, uma armadilha para caipiras desatentos – continuo. – Você nunca mais vai precisar gastar R$ 1,50 toda vez que chegar apurado ao terminal. Rimos, embora eu esteja falando sério.

Depois de alguns pães de queijo e um copo de leite para recompor as energias, tomamos o metrô até a Praça da República. O objetivo: encontrar o Alex, que já estava em São Paulo à nossa espera. A missão: chegar ao Morumbi para ver o Iron Maiden ao vivo e a cores.

São 6h30 da matina e não há nenhuma movimentação. Parado demais para uma cidade que nunca dorme. O jeito é dar um rolê pelo centro histórico para matar o tempo: Teatro Municipal, Viaduto do Chá, Vale do Anhangabaú, Largo São Bento, Santa Ifigênia (a grafia está correta), cruzamento da Ipiranga com a São João (não sei o que o Caetano viu ali).

Mais tarde, já em horário comercial, encontramos o Alex na Galeria do Rock e aproveitamos o momento para vasculhar o famoso point, cenário de batalhas violentas entre punks e metaleiros na década de 80. É surreal visitar lojas antológicas que alimentaram os apreciadores de boa música numa época em que discos clássicos eram escassos e a importação era cara e difícil. Cabeludos com camisa do Maiden dominam o ambiente. As lojas também aproveitam a oportunidade para faturar com a venda de todo tipo de produto relacionado à banda.

11 horas. O estomago começa a roncar. É hora de achar o caminho até o Morumbi. Mas antes uma fotografia na fachada do prédio que oportunamente ostenta uma imensa faixa vertical que dá boas vindas ao Iron Maiden.

No ônibus, uma surpresa agradável: trombamos três mineirinhos feras. João, sua namorada Roberta e Will, todos de Poço Fundo, sul de Minas. Os três também saíram de casa por volta da meia-noite e vão enfrentar uma odisseia até a apresentação de uma das maiores bandas de metal ainda em atividade. A identificação é imediata. Apenas uma coisa nos diferencia: a experiência. Eles já viram AC/DC e foram a outros shows do Iron. Uma ótima notícia para três caipiras amantes de heavy metal que nunca foram a um grande concerto de rock.

Saltamos no cruzamento da Francisco Matarazzo com a João Saad (acho que é isso). Daqui para frente o trajeto será feito a pé. Antes, pausa para uma celebração milenar: matar a fome em grupo no fast-food que vende esfirra a preço de banana.

12h30. Retiramos os ingressos na bilheteria sob um sol escaldante. A movimentação ao redor do estádio é intensa: há trânsito, cabeludos, vendedores ambulantes e policiais militares por toda a parte. O calor é insuportável, haja garrafinha de água. Acomodamos-nos à sombra de uma árvore para jogar conversa fora e matar o tempo. O celular do Zé Willian toca “The Wicker Man” para amenizar a fadiga e preparar a alma.

É melhor assim: os portões serão abertos às 15 horas e o show deve ter início às 21h30. O dia será longo. A noite também. (Continua na próxima edição).