sábado, 19 de junho de 2010

Estreia


De repente, interrompo bruscamente a leitura executada sob a sombra fria do jambeiro. Daqui do alto, dá pra ver que a cidade continua concentrada e me estranha o fato de o silêncio ainda não ter sido cortado por rojões apesar de transcorrido algum tempo desde o início da partida.

Boto o tênis e lambuzo o rosto com protetor solar. Hoje a caminhada à beira do asfaltinho será mais cedo: é que, por conta do jogo, liberaram do expediente às 14 horas (E eu ainda dizia que Copa do Mundo não servia pra nada).

Depois de cortar o pasto que separa meu habitat da zona urbana, finalmente piso na rua que vai levar ao meu destino. É comum encontrar conhecidos no trecho mas hoje não veio ninguém. As ruas estão desertas de carro e de gente. O único movimento humano vem de um grupo de crianças que brinca na calçada. Parecem mais felizes do que habitualmente: o local para a diversão se ampliou vertiginosamente graças à calmaria. Uma das crianças, de seis ou sete anos, veste a camisa da seleção, sinal claro de que já fora iniciada no processo de doutrinação. Em todo o trajeto há bandeiras do Brasil expostas para a rua, representação perfeita do patriotismo ocasional do brasileiro.

A caminhada começa efetivamente após o cemitério. A partir dali, o asfaltinho é ladeado por pastos e restingas que, juntamente com o pôr do sol, compõem um belo cenário nos fins de tarde. É também depois do cemitério que encontro meu tio-avô sentado à beira do caminho a aguardar as vacas que ainda não desceram para o curral.
– Bença, tio. Não está vendo o jogo? – pergunto, embora já saiba a resposta.
– Bem capaz ....bola pra mim só se for de mortadela, e daquela com bastante gordurinha ainda! – responde às gargalhadas.
Nos despedimos em seguida depois de trocar duas ou três palavras sobre o tempo ou sobre o estado de saúde da tia. Sigo em frente pensando se talvez a aversão por futebol seja genética.

É só no meio do itinerário que ouço a primeira salva de rojões. Brasil um a zero. Contra quem mesmo? E depois outra já de volta à zona urbana. Um trabalhador rural que se dirige ao ponto de ônibus ligeiramente apressado diminui o andar da carruagem ao passar na frente de uma residência que acompanha a partida com o volume da televisão no 10. Ele reduz a velocidade ao máximo, como se tentasse apreciar os últimos lances antes de tomar a condução para o trabalho. E retoma o andamento original assim que o volume da tv fica inaudível.

Apesar de o mundo ser só meu naquele dia e a via estar livre de ônibus e carros, demoro mais que o habitual para cumprir o trecho. Lembro da canção “O dia em que a Terra parou”, do Raul. Mas o sol é alheio a tudo isso e já some no horizonte. Vai ser difícil tomar banho num frio desses.