sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Uns pés

O carro se aproximou e obrigou os adolescentes a interromper a “pelada” na pequena viela. O veículo preto – provavelmente recém saído da concessionária e que tinha vidros escurecidos e rodas aro 15 – diminuiu ainda mais a velocidade e, ao contrário do que esperavam, não seguiu adiante. Estacionou ali mesmo, empatando o campo improvisado dos atletas.

Não por acaso, os olhares se voltaram para o automóvel mais do que depressa. Nem tanto pra apreciar o novo modelo que até então eles só haviam visto na televisão (e os meninos adoravam carros), mas principalmente para identificar o autor daquele petulante ato que embargara o tradicional futebol da tarde. O mistério foi desfeito quando uma mulher saiu do carro. Era magra, de estatura média e dona de uma vasta cabeleira negra e lisa que lhe garantia um aspecto imponente. Seus olhos verdes se destacavam por conta do contraste com a pele levemente bronzeada.

Rapidamente os semblantes se transformaram e a simples observação curiosa passara à observação qualificada. A moça usava um vestido roxo cujo comprimento findava um pouco acima do joelho. Era exuberante. Pablo reparou nas mãos da desconhecida que ficaram expostas quando a porta do carro foi fechada. Uma, espalmada, empurrava pelo vidro enquanto a outra, com o punho virado pra cima, forçava a porta pela cavidade da trava.

Os meninos ainda estavam estáticos quando a moça voltou-se para perguntar onde ficava a casa de número 112. Ninguém respondeu. Caberia ao Pablo responder.
- É a minha casa, essa aí com o portão marrom, disse apontando diagonalmente para o outro lado da estreita rua. A mulher sorriu brevemente e agradeceu.

Atravessou a rua, bateu palmas e foi recebida na residência. Os demais garotos arderam de inveja.
- É alguma prima sua, Pablo?, perguntou um deles.
- Não faço ideia, dizia enquanto buscava na memória alguma relação com a desconhecida. Talvez uma prima distante, tia não poderia ser porque aparentava ter apenas uns 25 anos.

A investigação prosseguia. Pablo percebeu que aquele era um dia de glória. Havia se tornado o centro das atenções e desfrutava do momento como um rei cercado de súditos. Chegou a insinuar que a moça teria que dormir em seu quarto caso fosse passar a noite por ali.

Ouviu-se um grito saído da casa com o portão marrom. Era a mãe de Pablo que chamava por ele. O garoto lançou um olhar morteiro sobre os companheiros e atravessou a rua orgulhoso. Ao passar o portão, tomou consciência do seu penoso estado físico, resultado de horas de futebol debaixo de sol. Pensou em escovar os dentes e pentear os cabelos mas não teve tempo: sua mãe o chamara novamente.

Entrou pelo corredor e encontrou ambas confortavelmente acomodadas no sofá da sala. Ainda meio tímido, levou a mão para cumprimentar a bela desconhecida. Desta vez pôde examinar a dela com mais detalhes. Observara suas unhas impecáveis, concluídas com esmalte claro e adornadas com francesinha. Tratava-se de uma ex-vizinha, que se mudara da rua ainda criança. Voltava agora depois de anos para rever os antigos moradores dali. Quando deixara o local, Pablo ainda era de colo.

O garoto permaneceu num sofá localizado na frente das duas. Fingira ter interesse nas reminiscências mas objetivava apenas admirar-lhe o corpo. Observava com precisão os gestos contidos e suaves, as pernas cruzadas que a deixava com as coxas ainda mais grossas, as mãos que giravam no ar durante uma explanação, a fala agradável, o jogar de cabelos, a composição dos lábios. Apreciava ainda o suave perfume que exalava da fêmea. Ficaria por horas naquela situação se pudesse, sem dar um pio sequer.

Pela enésima vez, vagou disfarçadamente para cima e para baixo pela silhueta da agora nem tão desconhecida e deitou o olhar atento sobre seus pés, imobilizados a 45 graus graças à inclinação da sandália. A visão o desconcertou profundamente. Jamais havia visto pés tão lindos. O peito, absurdamente à mostra, era cortado apenas pelos laços amarrados fortemente acima do tornozelo, enfatizando ainda mais as carnes da panturrilha. As unhas (novamente elas) eram tão perfeitas como aquelas pertencentes aos membros superiores. Em seus dedos simétricos, a possibilidade de serem umedecidos por qualquer boca humana.

Pablo sentiu um calafrio e os hormônios ficaram ainda mais à flor da pele. Mãos frias, testa despejando suor. Teve que cruzar as pernas e, disfarçadamente, ajeitou o calção pela terceira vez. Reparava agora nos descoloridos (e imperceptíveis) pêlos nas pernas torneadas da ex-vizinha. O calor daquele cômodo parecia cada vez mais insuportável.

A conversa encaminhou para o fim. A moça levantou-se, despediu-se dos anfitriões e partiu prometendo voltar num futuro próximo. Pablo permaneceu no sofá. Estava imóvel, sozinho na sala com o olhar fixado em um ponto qualquer da parede branca. Há um segundo pensara em se trancar no quarto mas refutou enfaticamente a possibilidade, como se nutrisse por ela uma espécie de respeito secreto. Não gostaria de quebrar o pacto firmado tão e meramente consigo mesmo.

Não dormiu naquela noite. Não dormiria nas seguintes também.