segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Paixão*

* Crônica publicada na edição 1104 do Jornal Observador

Foi amor à primeira vista. Desde pequeno, eu corria ao seu encontro toda vez que tinha uma chance. Ela me abraçava com fervor, me envolvia completamente em seus braços, atravessava a camiseta e escorria as mãos pelas minhas costas. Não tinha pudor: se eu permitisse, ela tocaria todo o meu corpo.

Meus pais não aprovavam aquele comportamento, ralhavam comigo quando eu chegava naquela situação, ofegante, embebido naquela voluptuosidade. Aquela entrega rotineira poderia me prejudicar, diziam, comprometeria meu futuro.

Ela era minha, mas também era de todos. Eu a via desfilar pela cidade: não menosprezava ninguém, bastava estar aberto às suas carícias. Bêbados ao relento, senhoras, crianças, moças, homens casados, todos eram dignos de seu amor incondicional.

Não tinha hora para aparecer e nunca respeitou convenções sociais. Para alguns, ela representava a mais pura alegria; para outros significava perdas, choro e ranger de dentes.

A maturidade fez com que eu ficasse mais prudente. Encontrávamos-nos no quintal de casa e não mais na rua, à vista de todos, para evitar comentários maliciosos.

Às vezes, quando eu a ignorava, ela batia na minha janela, ameaçava entrar, mas permanecia do lado de fora, sem qualquer ressentimento. Eu ainda a amava, mas já não era um brinquedo seu como no passado. Eu tinha me transformado num adulto, com todas as limitações que isso implica.

Todavia, ainda fico pensativo quando ela some. Continuo debruçado na janela, olhando o horizonte, à sua espera. Deve estar por aí, mundo afora, abraçando outros homens, tocando outros corpos, revelando a outras bocas o seu beijo molhado.

E mesmo que eu não me entregue a ela com a mesma intensidade dos velhos tempos, sua presença ainda é indispensável para trazer à alma um pouco de alívio e paz.

2 comentários: