terça-feira, 30 de agosto de 2011

Compêndio sobre a existência*

*Crônica publicada na edição 1085 do Jornal Observador

Fixada sobre uma estrutura estranha está a Vida. De longe sua base parece firme, sedimentada em concreto armado, construída para durar infinitamente. Mas de perto é outra história: é sustentada apenas por vigas muito finas.

Sua temporalidade é determinada pela capacidade que essa estrutura frágil tem de suportar as peripécias e as adversidades. Às vezes as vigas entortam de tal forma que o rompimento parece iminente, inevitável. E então vem a surpresa: a Vida prospera novamente, emerge dos cacos da tragédia.

Mas nem sempre é assim. Há casos em que a Vida é pega de surpresa e nem tem tempo de reagir. É o Acaso, que trama contra tudo e contra todos. Ele está presente na ligação incômoda no meio da noite, no automóvel que avança a faixa enquanto o pedestre a atravessa, no diagnóstico inesperado, no olhar do filho que não será abraçado de novo.

Há aquele que pretende evitá-lo. Recorre a uma redoma e passa a viver fechado, protegido do mundo externo por uma bolha de plástico. Doce ilusão. O Acaso está em todo lugar e ninguém está imune. Um dia a bolha explode.

Quando não explode, o recluso percebe algo estarrecedor: perdera o trem da Vida enquanto tentava evitar o desconhecido, o novo, o adverso. Percebe que foi um mero espectador e não um protagonista de sua própria existência. Agora é tarde demais, a Vida dá seu último sopro. É o Acaso de novo surpreendendo até mesmo no leito de morte.

Os que têm um pouco de sorte ainda têm tempo para aprender uma última lição: Vida e Acaso são parte da mesma matéria e andam de mãos dadas. Fugir de ambos é fugir da própria existência.

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