segunda-feira, 6 de junho de 2011

No Trem da Morte*

*Crônica publicada na edição 1074 do Jornal Observador

Tomávamos um café em Corumbá quando soubemos da morte de Bin Laden. A informação veio por meio de uma piada que envolvia o nome do homem mais procurado do mundo que nos foi contada pelo dono do estabelecimento. Entreolhamos-nos, espantados. O proprietário percebeu.
- Então não sabem que o líder da Al Qaeda foi morto? – perguntou, embora nem precisasse. Era apenas o segundo dia de viagem e já iniciávamos a trajetória rumo a uma dimensão paralela, na qual permaneceríamos alheios ao “mundo real” por um bom tempo.

Corumbá é passagem obrigatória para quem pretende enfrentar o famoso Trem da Morte, que vai até Santa Cruz de La Sierra. Toma-se o comboio em Porto Quijaro, a primeira cidade boliviana depois da fronteira com o Mato Grosso do Sul. Embora estejam em países diferentes, Corumbá e Porto Quijaro parecem pertencer ao mesmo território: o fluxo de turistas é intenso.

Na fronteira demos com a cara na porta: o departamento de imigração boliviano estava fechado. O motivo: a transferência do feriado do Dia do Trabalho para segunda-feira, o que nos forçou a voltar ao Brasil e pernoitar em Corumbá. Carimbados os passaportes no dia seguinte, tomamos um táxi até a bilheteria. Ao contrário das informações colhidas na internet, não fomos importunados por cambistas (os relatos apontavam que os negociantes informais praticam terrorismo psicológico, coagindo o turista a comprar bilhetes sob a justificativa de que não haveria outros assentos disponíveis).

O fatídico Trem da Morte – supostamente reduto de traficantes e bandidos em fuga – é tão perigoso quanto uma maternidade durante a madrugada. Das 11 da manhã até as seis da tarde nosso vagão transportou quatro pessoas: eu, Felippe Aníbal, Zé Renato – ambos companheiros de mochila – e uma senhora bonachona que afirmou ser contrária ao governo de Evo Morales. Os passageiros só começariam a surgir bem longe, na medida em que o trem ia adentrando o interior do país.

Nos vilarejos crianças e adultos disputam a atenção dos viajantes na tentativa de vender água, suco, marmitas e iguarias como chirimoya, uma fruta que até agora não conseguimos identificar. A entonação característica dos vendedores soa como um mantra e chega a ser divertido apreciar aquela confusão oral que se instala a cada parada.

Morte no trem só se for de tédio: o comboio demora mais de 19 horas para superar meros 600 quilômetros. Entretanto o contato com a cultura nativa ameniza esse pequeno detalhe, assim como a vista do pantanal boliviano. À noite a graça é apreciar o céu estrelado. Passei boa parte da noite entoando mentalmente “Trem do Pantanal”, canção que cita a cidade para qual nos dirigíamos e o Cruzeiro do Sul, assim como o famoso meio de transporte.

Chegamos em Santa Cruz de La Sierra, por volta das seis e meia da manhã, com a mesma impressão: a Bolívia é um lugar propício para a quebra de mitos, tabus e estereótipos. Só quando saímos da rodoviária com destino a Sucre descobrimos algo estarrecedor: viajar de ônibus é que pode ser uma tarefa arriscada.

Um comentário:

  1. Piruca, ainda bem que você escrever este texto, senão o Anão (Zé Renato) não ia saber como é o Trem da Morte. Ou só em sonho...
    Ótimo relato!

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