terça-feira, 31 de maio de 2011

Quase no Topo do Mundo*

* Crônica publicada na edição 1073 do Jornal Observador

Os setenta metros restantes até o cume parecem intransponíveis. Apoiado numa rocha, tomo a pulsação: a veia jugular está a ponto de explodir; respirar é uma tarefa extenuante. Zé Renato, Felippe, os outros brasileiros que integram a excursão, o casal inglês e o guia já estão no topo. Estou só, martirizado pelo vento cortante e pela neve que começa a umedecer minhas pernas.

Em Chacaltaya, pico com 5430 metros de altitude localizado na Cordilheira dos Andes e distante 30 quilômetros de La Paz, é possível chegar de carro a 5300 metros. Mas não é tão simples assim: a estradinha de terra é íngreme, sinuosa e, como tudo na Bolívia, à beira de precipícios. Em alguns pontos, o veículo fica a menos de meio metro do abismo. Emocionante, para não dizer assustador.

Depois de quase dez minutos, retomo o caminho. Além das consequências do ar rarefeito sobre meu corpo, tenho que administrar outra variante: o medo de altura. Nos últimos trinta metros, totalmente cobertos de neve, o caminho se afunila e há desfiladeiros em ambos os lados. Arqueado, com as mãos próximas do solo para o caso de alguma emergência, sigo devagar até o cume.

O clima é de contemplação: todos estão extasiados com a vista. Ao redor, há picos que se sobrepõem às nuvens e a neve nas encostas cria uma textura agradável aos olhos. Também é possível avistar o Titicaca, o lago mais alto do mundo. Poderíamos ficar ali por horas, sem dar uma palavra sequer, apenas degustando aquela paisagem indescritível.

O contexto faz com que eu reflita sobre os últimos acontecimentos. Estamos no 13º dia de viagem. Já passamos por Santa Cruz de La Sierra, Sucre, Potosí e Salar de Uyuni. Vivenciamos experiências inigualáveis e conhecemos paisagens deslumbrantes. Porém a dinâmica da estrada não cria a conjuntura adequada para o processamento de informações e estímulos. Era necessário parar e Chacaltaya propiciou o momento adequado para isso. Pena que por pouco tempo: meia hora depois o guia informou que era hora de partir.

Depois da sessão de fotos, iniciamos a descida. Uma pequena hesitação no trecho mais perigoso do trajeto e já estamos caminhando normalmente até o ponto de apoio.

O problema agora será enfrentar de novo a estradinha tosca até La Paz. E o pior: morro abaixo.

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