terça-feira, 21 de junho de 2011

Segregados no Deserto*

*Crônica publicada na edição 1075 do Jornal Observador

Os israelenses têm um costume interessante: logo após o serviço militar – obrigatório para ambos os sexos – os jovens recém saídos das forças armadas viajam o mundo. O objetivo é conhecer outras culturas e ampliar os horizontes antes do ingresso na universidade. Isso parece explicar a enorme presença de turistas israelenses na América Latina. No entanto, contato com outras culturas pode não significar necessariamente interação conforme pudemos observar “in loco” nos três dias de passeio pelo deserto boliviano.

Estamos na região de Uyuni, que além da belíssima planície de sal congrega ainda paisagens áridas, picos nevados, vulcões inativos e lagoas coloridas. Nossa comitiva, a bordo de veículos 4X4, é composta pelo grupo de Israel (cerca de 12 pessoas), nós três, uma inglesa e um neozelandês.

Já na primeira noite ficamos à margem do grupo majoritário. Assim como eu, Felippe e Zé Renato, os israelenses também viajavam juntos, então nada mais natural que permanecessem juntos (Nota: apesar do distanciamento eles foram cordiais conosco nos poucos momentos em que trocamos palavras).

Sob o frio noturno do deserto, num alojamento em que a eletricidade era cortada depois das 10 horas da noite, deparamos-nos à mesa do jantar com a inglesa e o neozelandês, ambos igualmente deslocados em relação à maioria. Iniciava ali – à base de sopa e vinho – nosso grupinho ocasional, apesar de alguns tropeços no quesito língua.

Novas interações surgiriam na noite seguinte, no remoto e desértico povoado de San Cristobal. Eu terminava a refeição quando três turistas sorridentes ocuparam a mesa ao lado. Curiosamente os recém chegados também não pertenciam à faixa etária dos colegas de Israel, situada em torno de 21 anos. Como havia um cabeludo entre eles perguntei sobre um violão. Nada. Sem qualquer outra coisa mais interessante a fazer, fui dormir.

Horas depois ao acender a luz do quarto quando eu já estava em avançado estado de sonolência, Felippe explicou que eram uruguaios e profundos conhecedores da história do continente. Zé Renato e ele haviam proseado com os hermanos até a madrugada, interação que incluiu tópicos como imperialismo estadunidense, perspectivas políticas da América Latina no século 21 e música popular brasileira. Enquanto eu ouvia o relato fui apresentado a Alejandro, o cabeludo que vivera em Ubatuba por seis meses e que passara em nosso quarto para dar um olá antes de se recolher definitivamente. Na manhã seguinte os uruguaios continuariam a expedição (a rota deles era a mesma que a nossa, porém em sentido inverso).

Aquele episódio teria sido apenas uma passagem agradável fadada ao esquecimento caso não tivéssemos encontrado os uruguaios por acaso em La Paz, dias depois. Começava ali uma forte identificação que aprofundaria a simbologia implícita naquela viagem.

Um comentário:

  1. Ainda penso em todos os "acasos" e reflito, sem achar respostas concretas se, de fato, trataram-se de "acasos". Cada detalhes que o Universo (termo aqui usado na falta de outro que melhor traduza) colocou nos cantos dessa viagem me fazem pensar em algo maior. Nosso queridos uruguais são "entidades" que apareciam em momentos cruciais, assim como o fomos a eles.

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