segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Get Back*

* Crônica publicada na edição 1050 do Jornal Observador

Paul foi acordado por um telefonema suspeitíssimo naquela manhã.
- Macca, estamos voltando esta tarde. Nos encontramos no Abbey.

Ainda sonolento, Paul afastou o telefone do ouvido e olhou assustado para o aparelho enquanto aquela voz familiar continuava a balbuciar alguma coisa do outro lado da linha.
- Que diabos significa isso? - pensou. Enfim retornou o utensílio à orelha depois de alguns segundos mas o seu interlocutor já havia desligado.

Tomado por um misto de estupefação e raiva, Paul não podia crer no que acabara de ouvir. Precipitou-se em retornar a ligação mas recordou que já não tinha o telefone do ex-companheiro de banda desde que John se mudara com Yoko para Nova Iorque.

Imediatamente ligou para a casa de George com o objetivo de checar a história. Em seu íntimo, esperava que tudo não passasse de um trote bem feito. Porém a demora do guitarrista em atendê-lo evidenciou que algo estava errado.
- Você vai compactuar com uma coisa dessas depois de tudo que passamos? - bradou Paul.
- Se eu fui capaz de esquecer nossas magoas pessoais, por que não perdoaria minhas diferenças com John? - disse George enfático, porém na defensiva. Ao ligar para a casa de Ringo, Paul fora informado que o baterista havia saído para um compromisso desconhecido.

A coisa não poderia estar tão fora de controle. Depois de anos de mágoas veladas e distanciamento deliberado, John aparece com uma cacetada dessas.
- Será que esses filhos da mãe ainda precisam de mais dinheiro? - questionou-se na tentativa de encontrar um motivo para tudo que estava vivendo naquela manhã maluca.

Acusado na época de usar o fim da banda para vender discos mesmo diante de seus esforços solitários para evitar o desfecho conhecido por todos, Paul agora era pego de surpresa. Ainda mais em se tratando de John, cujo temperamento difícil foi o principal responsável pelo fim da banda.

Talvez John tivesse o propósito de dar novo fôlego às rusgas antigas ou atingi-lo por outras vias, principalmente agora que sua carreira solo estava consolidada. Pior ainda, Paul acabava de iniciar as gravações de seu novo álbum e a novidade seria uma tentativa de desestabilizá-lo. A provocação era clara: John jamais o chamara de “Macca”. Estava aí um sinal do sarcasmo do velho companheiro de banda.

Paul vestiu o paletó e seguiu para o Abbey Road sem avisar ninguém. Tinha em mente a urgência de evitar que qualquer rumor chegasse à imprensa. Se fosse rápido, talvez convencesse os ex-companheiros a não embarcar em mais uma ideia narcisista e egocêntrica de John. Pensou em passar antes no escritório de seu advogado mas achou que assim levantaria especulações desnecessárias.

Entrou no estúdio pela porta dos fundos para não levantar suspeitas. O prédio estava em silêncio e não havia ninguém no escritório. Caminhou na ponta dos pés para tentar captar qualquer movimentação estranha até se aproximar do estúdio principal.

Pelo vidro da sala de gravação, Paul pôde ver a cabeça balançante de Ringo sentado à bateria. George, como sempre, estava quieto num canto empunhando sua Strato surrada. John, situado bem no meio da sala, tocava sua semi-acústica enquanto cantarolava o refrão de “Don´t Let Me Down”. À sua esquerda, um baixo Hofner acomodado num pedestal aguardava seu instrumentista.

De súbito, McCartney sentiu um toque em seu ombro. Era Linda que o acordava para anunciar que Lennon acabara de ser assassinado em frente ao edifício Dakota.

2 comentários:

  1. Li o texto no jornal observador... Que orgulho! Parabéns... Mergulhei nos sonhos do Paul!

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  2. Como seria bom se esse sonho fosse realidade!!!

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